sexta-feira, 19 de maio de 2023

Cannes 2023: Indiana Jones / Le Retour / Jeunesse

INDIANA JONES E O CHAMADO DO DESTINO (dir. James Mangold)



Como em vários anos anteriores, o filme mais aguardado (e de bilhetes mais disputados) no Festival de Cannes foi um blockbuster exibido fora de competição. “Indiana Jones e o Chamado do Destino”, dirigido por James Mangold, traz de volta o enérgico arqueólogo que se tornou um dos ícones do cinema de aventura da década de 1980 e um dos personagens mais queridos de Hollywood.

E o filme existe basicamente para matar a saudade dos fãs de Indy: a trama é estúpida e foi escrita com uma farta dose de indolência – Indiana, prestes a se aposentar como professor, se mete em uma nova aventura quando a filha de um arqueólogo amigo lhe diz que está atrás de uma relíquia criada por Arquimedes, capaz de detectar falhas no tempo e permitir viagens temporais.

E tudo o mais que o filme apresenta está nesse mesmo nível de falta de criatividade. É tudo mera desculpa para trazer Harrison Ford de volta ao papel e para utilizar, na primeira parte do longa, a assustadoramente bem desenvolvida tecnologia de remoçamento do rosto do ator, que apesar de oitentão na vida real, surge com aspecto de ao menos 4 décadas mais jovem em cenas que se passam nos anos 1940.

É emocionante, mas sobretudo muito estranho ver o “jovem” Ford em ação viabilizado pelos efeitos especiais. Mas acima do deleite de acompanhar Indiana do ápice da boa forma, o que nos intriga nessas cenas é imaginar os enormes problemas que poderemos ter, no mundo real, se essa tecnologia cair em mãos mal-intencionadas; ao que parece, já é possível reescrever a história, inventar passados e presentes com imagens forjadas e deturpadoras. Filmes como este “Indiana Jones” deveriam servir como evidência do quão perigoso é continuar aperfeiçoando esse tipo de inteligência artificial.

Na trama em si, Jones, fora dos flash-backs, desta vez aparece deprimido – ele ainda tem energia para enfrentar os obstáculos, mas não tem em seu olhar aquela luz, o brilho dos tempos de juventude. No filme, o tempo presente é a virada das décadas de 1960 para a de 1970; Jones, ali, perdeu um filho e se divorciou da esposa, e não tem mais o prazer de lecionar. Mas sua depressão parece ter por causa primordial o mundo moderno pós-Beatles e revoluções comportamentais, ao qual o Indy dos velhos tempos parece não ter se adaptado bem. É um homem à moda antiga, embora o filme não se posicione sobre isso ser bom ou ruim.

As cenas de ação são razoavelmente vibrantes, mas não trazem quase nada de novo – é curioso que a tecnologia para rejuvenescimento tenha se desenvolvido com tanta velocidade, enquanto ainda hoje diversas cenas mais banais deixam evidente que os atores estão diante de um chroma key. No geral, o filme é um passatempo agradável, que existe apenas como exercício nostálgico e, obviamente, como uma mina de ouro para os produtores encherem os cofres. Fora isso, é uma obra completamente descartável.


LE RETOUR (dir. Catherine Corsini)

A francesa Catherine Corsini apresentou na competição “Le Retour”, um belo filme sobre relações sociais e familiares, com foco em três mulheres negras francesas, Khédidja e suas duas filhas. A protagonista decide ir embora da Córsega e ir morar em Paris junto de sua filha pequena (e com outra ainda em seu ventre). Seu marido tenta impedi-la, mas morre em um acidente de carro ao tentar ir atrás dela. Sentindo-se culpada, Khédidja passa os anos seguintes dizendo o mínimo possível às garotas sobre o pai delas – até que, 15 anos mais tarde, ela decide retornar à ilha francesa com as garotas já adolescentes.

O filme perpassa uma série de questões sociais envolvendo a presença de pessoas negras na França, que ainda sofrem muitos preconceitos mesmo sendo legítimas cidadãs francesas, por nascimento e por direito. Mas o foco é mesmo nos complicados elos familiares entre uma mãe e duas filhas. A mais velha, Jessica, é certinha e estudiosa, enquanto a mais nova, Farrah, pende mais para um comportamento rebelde e irreverente. Na Córsega, elas passam a conhecer um pouco mais sobre sua história familiar, mas também sobre elas mesmas.

É um filme solar, vistoso, com lindas paisagens corsas e ótimas performances, sobretudo de Esther Gohorou, uma presença cinematográfica muito marcante na pele da desbocada Farrah. O tema racial aparece com destaque, obviamente, mas há uma clara opção da parte de Corsini por mostrar essas mulheres negras diante de uma série de questões que não necessariamente dizem respeito a sua etnia; é antes de mais nada a história de três mulheres, realçando os desencontros afetivos entre elas – ainda que, por fim, o amor que sentem umas pelas outras seja o que de fato prevaleça.

O filme é bem realizado, mas a verdade é que não tem grande fôlego para além do que está evidente na tela; não incita nenhum tipo de reflexão posterior. As problematizações do longa desaparecem assim como o escuro, no exato instante em que as luzes da sala se acendem.


JEUNESSE (dir. Wang Bing)

O único documentário na competição, “Jeunesse”, do chinês Wang Bing, poderá se beneficiar de uma certa tendência nos grandes festivais de cinema de hoje em dia. Afinal, as últimas edições de Veneza e Berlim laurearam com seus prêmios máximos dois documentários: “All the Beauty and the Bloodshed”, de Laura Poitras, na festa italiana, e “Sur l’Adamant”, de Nicolas Philibert, no evento alemão.

Se o júri comandado por Ruben Östlund optar por uma premiação a um tema urgente e de conotação social não identitária, a saída pode ser por aí. O documentário mostra uma série de jovens chineses que trabalham na indústria têxtil da China – são as pessoas que se desdobram na confecção de 99% das roupas que eu, você e todo o mundo capitalista utiliza no dia a dia.

É um tema sem dúvida importante, e o filme é um registro essencial de uma realidade com qual temos pouco ou quase nenhum contato. É um bocado desolador ver aqueles jovens desperdiçando sua saúde diante de máquinas de costura fazendo movimentos repetitivos, trocando conversas uns com os outros que não levam a lugar nenhum, alimentando-se de macarrão instantâneo, vivendo em conjuntos habitacionais inóspitos, sujeitos a uma poluição visual e auditiva constante – quando poderiam estar gastando sua energia em atividades mais saudáveis, divertidas e mentalmente enriquecedoras.

O longa tem três horas e meia de duração, e Wang quer mostrar o aspecto rotineiro da realidade desses jovens de modo a transmitir ao espectador o quanto é maçante ter aquele tipo de existência. Quando não estão trabalhando, os jovens tentam negociar melhorias salariais com os chefes (em geral sem êxito), mas logo depois lá estão eles, novamente, debruçados em suas máquinas de costura, cuidando dos novos lotes de roupas.

Mas a verdade é que não é preciso que o espectador seja imerso naquele cotidiano cinzento para compreender o quanto a vida daquelas pessoas parece desperdiçada; essa noção já é transmitida em menos de uma hora de filme. De modo que, apesar da intenção estética nobre, o longa resulta excessivo e, para dizer a verdade, um bocado chato. 

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