INDIANA JONES E O CHAMADO DO DESTINO (dir. James Mangold)
Como em vários anos anteriores, o filme mais aguardado (e de bilhetes mais disputados) no Festival de Cannes foi um blockbuster exibido fora de competição. “Indiana Jones e o Chamado do Destino”, dirigido por James Mangold, traz de volta o enérgico arqueólogo que se tornou um dos ícones do cinema de aventura da década de 1980 e um dos personagens mais queridos de Hollywood.
E o filme existe basicamente para matar a saudade dos fãs de
Indy: a trama é estúpida e foi escrita com uma farta dose de indolência –
Indiana, prestes a se aposentar como professor, se mete em uma nova aventura
quando a filha de um arqueólogo amigo lhe diz que está atrás de uma relíquia criada
por Arquimedes, capaz de detectar falhas no tempo e permitir viagens temporais.
E tudo o mais que o filme apresenta está nesse mesmo nível
de falta de criatividade. É tudo mera desculpa para trazer Harrison Ford de
volta ao papel e para utilizar, na primeira parte do longa, a assustadoramente
bem desenvolvida tecnologia de remoçamento do rosto do ator, que apesar de oitentão
na vida real, surge com aspecto de ao menos 4 décadas mais jovem em cenas que
se passam nos anos 1940.
É emocionante, mas sobretudo muito estranho ver o “jovem”
Ford em ação viabilizado pelos efeitos especiais. Mas acima do deleite de
acompanhar Indiana do ápice da boa forma, o que nos intriga nessas cenas é imaginar
os enormes problemas que poderemos ter, no mundo real, se essa tecnologia cair
em mãos mal-intencionadas; ao que parece, já é possível reescrever a história, inventar
passados e presentes com imagens forjadas e deturpadoras. Filmes como este “Indiana
Jones” deveriam servir como evidência do quão perigoso é continuar aperfeiçoando
esse tipo de inteligência artificial.
Na trama em si, Jones, fora dos flash-backs, desta vez aparece deprimido – ele ainda tem energia para enfrentar os obstáculos, mas não
tem em seu olhar aquela luz, o brilho dos tempos de juventude. No filme, o
tempo presente é a virada das décadas de 1960 para a de 1970; Jones, ali, perdeu
um filho e se divorciou da esposa, e não tem mais o prazer de lecionar. Mas sua
depressão parece ter por causa primordial o mundo moderno pós-Beatles e
revoluções comportamentais, ao qual o Indy dos velhos tempos parece não ter se adaptado
bem. É um homem à moda antiga, embora o filme não se posicione sobre isso ser
bom ou ruim.
As cenas de ação são razoavelmente vibrantes, mas não trazem
quase nada de novo – é curioso que a tecnologia para rejuvenescimento tenha se
desenvolvido com tanta velocidade, enquanto ainda hoje diversas cenas mais
banais deixam evidente que os atores estão diante de um chroma key. No
geral, o filme é um passatempo agradável, que existe apenas como exercício
nostálgico e, obviamente, como uma mina de ouro para os produtores encherem os
cofres. Fora isso, é uma obra completamente descartável.
LE RETOUR (dir. Catherine Corsini)
A francesa Catherine Corsini apresentou na competição “Le
Retour”, um belo filme sobre relações sociais e familiares, com foco em três
mulheres negras francesas, Khédidja e suas duas filhas. A protagonista decide
ir embora da Córsega e ir morar em Paris junto de sua filha pequena (e com
outra ainda em seu ventre). Seu marido tenta impedi-la, mas morre em um
acidente de carro ao tentar ir atrás dela. Sentindo-se culpada, Khédidja passa os
anos seguintes dizendo o mínimo possível às garotas sobre o pai delas – até que,
15 anos mais tarde, ela decide retornar à ilha francesa com as garotas já
adolescentes.
O filme perpassa uma série de questões sociais envolvendo a
presença de pessoas negras na França, que ainda sofrem muitos preconceitos
mesmo sendo legítimas cidadãs francesas, por nascimento e por direito. Mas o
foco é mesmo nos complicados elos familiares entre uma mãe e duas filhas. A
mais velha, Jessica, é certinha e estudiosa, enquanto a mais nova, Farrah, pende
mais para um comportamento rebelde e irreverente. Na Córsega, elas passam a
conhecer um pouco mais sobre sua história familiar, mas também sobre elas
mesmas.
É um filme solar, vistoso, com lindas paisagens corsas e
ótimas performances, sobretudo de Esther Gohorou, uma presença
cinematográfica muito marcante na pele da desbocada Farrah. O tema racial aparece
com destaque, obviamente, mas há uma clara opção da parte de Corsini por
mostrar essas mulheres negras diante de uma série de questões que não
necessariamente dizem respeito a sua etnia; é antes de mais nada a história de
três mulheres, realçando os desencontros afetivos entre elas – ainda que, por
fim, o amor que sentem umas pelas outras seja o que de fato prevaleça.
O filme é bem realizado, mas a verdade é que não tem grande
fôlego para além do que está evidente na tela; não incita nenhum tipo de
reflexão posterior. As problematizações do longa desaparecem assim como o
escuro, no exato instante em que as luzes da sala se acendem.
JEUNESSE (dir. Wang Bing)
O único documentário na competição, “Jeunesse”, do chinês Wang
Bing, poderá se beneficiar de uma certa tendência nos grandes festivais de
cinema de hoje em dia. Afinal, as últimas edições de Veneza e Berlim laurearam
com seus prêmios máximos dois documentários: “All the Beauty and the
Bloodshed”, de Laura Poitras, na festa italiana, e “Sur l’Adamant”, de Nicolas
Philibert, no evento alemão.
Se o júri comandado por Ruben Östlund optar por uma
premiação a um tema urgente e de conotação social não identitária, a saída pode
ser por aí. O documentário mostra uma série de jovens chineses que trabalham na
indústria têxtil da China – são as pessoas que se desdobram na confecção de 99%
das roupas que eu, você e todo o mundo capitalista utiliza no dia a dia.
É um tema sem dúvida importante, e o filme é um registro
essencial de uma realidade com qual temos pouco ou quase nenhum contato. É um
bocado desolador ver aqueles jovens desperdiçando sua saúde diante de máquinas
de costura fazendo movimentos repetitivos, trocando conversas uns com os outros
que não levam a lugar nenhum, alimentando-se de macarrão instantâneo, vivendo
em conjuntos habitacionais inóspitos, sujeitos a uma poluição visual e auditiva
constante – quando poderiam estar gastando sua energia em atividades mais
saudáveis, divertidas e mentalmente enriquecedoras.
O longa tem três horas e meia de duração, e Wang quer
mostrar o aspecto rotineiro da realidade desses jovens de modo a transmitir ao
espectador o quanto é maçante ter aquele tipo de existência. Quando não estão
trabalhando, os jovens tentam negociar melhorias salariais com os chefes (em
geral sem êxito), mas logo depois lá estão eles, novamente, debruçados em suas
máquinas de costura, cuidando dos novos lotes de roupas.
Mas a verdade é que não é preciso que o espectador seja imerso naquele cotidiano cinzento para compreender o quanto a vida daquelas pessoas parece desperdiçada; essa noção já é transmitida em menos de uma hora de filme. De modo que, apesar da intenção estética nobre, o longa resulta excessivo e, para dizer a verdade, um bocado chato.
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