Joanna Kulig em cena de "Cold War" |
O polonês Pawel Pawlikowski (de “Ida”) volta a fazer um
filme em um preto e branco irrepreensível, desta vez com foco em uma história
de amor na Polônia do pós-Segunda Guerra que é interrompida por conta de
questões políticas.
Um pianista vai de vilarejo em vilarejo atrás de canções
folclóricas para montar um espetáculo que mostre aos poloneses a riqueza
cultural (e o sofrimento, por meio das tristes letras) dos camponeses do país
após o trágico conflito do início dos anos 40. Ao selecionar os cantores que
darão voz a essas músicas, o rapaz apaixona-se pela bela Zula, que além de linda
e afinada, é cheia de atitude. Quando investigam o passado da moça, descobrem
que ela certa vez esfaqueou o próprio pai. “Ele um dia me ‘confundiu’ com a minha
mãe, então lhe finquei a faca pra ele entender a diferença”, ela se explica, na
melhor frase de um filme desta edição de Cannes.
Os dois iniciam um romance, mas a intervenção do Estado
polonês nos espetáculos (o governo alinhado à URSS deseja usar o poder de
comunicação do show para disseminar propaganda stalinista) faz com que o relacionamento
seja abreviado. O rapaz, que se deixa levar pela sedução capitalista, foge da
Polônia e vai tentar a vida na França; a moça, que deveria ir com ele, não
consegue escapar, ficando no país natal. Torna-se uma porta-voz das músicas “oficiais”
polonesas, em performances pelo Leste Europeu.
O tempo passa, e na Europa ocidental, o músico se torna um
zé-ninguém, mas pelo menos um homem livre; já ela, no mundo comunista, é uma
estrela, mas sempre atrelada aos interesses dos governantes de seu país. Os
dois se reencontram diversas vezes com o passar dos anos, em localidades
europeias diferentes. Mas embora sempre cedam à tentação e voltem a se amar, o
romance jamais se torna duradouro, mesmo quando conseguem morar juntos
novamente. O filme nos diz que as confusões sociais do pós-Guerra na Polônia
afetaram tanto a cabeça da população que ela jamais consegue controlar a própria
vida pessoal sem sentir as marcas das questões políticas. Os poloneses se
tornaram pessoas fadadas à falta de perspectiva, ao desencantamento.
A opção por um filme estonteante em termos estéticos não
combina muito com o inferno mental dos personagens. Mas os enquadramentos milimetricamente
concebidos para serem belos são tão bem-sucedidos que, apesar de conferirem uma
certa frieza ao longa, despertam no espectador o ímpeto por ignorar esse
desacerto estético em nome do simples prazer da fruição das esplêndidas imagens.
A jovem atriz Joanna Kulig, dependendo do ângulo em que é
filmada, pode lembrar tanto Jennifer Lawrence quanto Liv Ullmann ou até Gena
Rowlands, e isso já é mais do que suficiente para dar uma ideia do quanto é
magnética. E como é talentosa e também canta muito bem, é uma grande aposta,
talvez até para ir a Hollywood.
“Cold War” é um filme com muito mais virtudes que defeitos,
mas há uma questão incômoda que se sobrepõe: como todo cineasta engajado do
leste europeu, Pawlikowski tende a pintar um quadro excessivamente negativo de
seu país nos tempos de domínio comunista. É uma denúncia completamente
justificável, até porque da maneira como esses países experimentaram o
comunismo foi, no mínimo, traumatizante – para não dizer catastrófica. Mas a
questão é que a visão que o filme tem do mundo capitalista, ainda que pretensamente
também devesse ter uma intenção crítica, é bem mais branda, até idealizada, na
comparação com a da Polônia de anos 40 e 50. O diretor, em sua busca por
demonizar o regime comunista, muitas vezes parece estar fazendo uma
involuntária ode ao capitalismo.
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