sexta-feira, 11 de maio de 2018

Cannes 2018 - Crítica: "Cold War'

Cold War, de Pawel Pawlikovski

Joanna Kulig em cena de "Cold War"

O polonês Pawel Pawlikowski (de “Ida”) volta a fazer um filme em um preto e branco irrepreensível, desta vez com foco em uma história de amor na Polônia do pós-Segunda Guerra que é interrompida por conta de questões políticas.

Um pianista vai de vilarejo em vilarejo atrás de canções folclóricas para montar um espetáculo que mostre aos poloneses a riqueza cultural (e o sofrimento, por meio das tristes letras) dos camponeses do país após o trágico conflito do início dos anos 40. Ao selecionar os cantores que darão voz a essas músicas, o rapaz apaixona-se pela bela Zula, que além de linda e afinada, é cheia de atitude. Quando investigam o passado da moça, descobrem que ela certa vez esfaqueou o próprio pai. “Ele um dia me ‘confundiu’ com a minha mãe, então lhe finquei a faca pra ele entender a diferença”, ela se explica, na melhor frase de um filme desta edição de Cannes.

Os dois iniciam um romance, mas a intervenção do Estado polonês nos espetáculos (o governo alinhado à URSS deseja usar o poder de comunicação do show para disseminar propaganda stalinista) faz com que o relacionamento seja abreviado. O rapaz, que se deixa levar pela sedução capitalista, foge da Polônia e vai tentar a vida na França; a moça, que deveria ir com ele, não consegue escapar, ficando no país natal. Torna-se uma porta-voz das músicas “oficiais” polonesas, em performances pelo Leste Europeu.

O tempo passa, e na Europa ocidental, o músico se torna um zé-ninguém, mas pelo menos um homem livre; já ela, no mundo comunista, é uma estrela, mas sempre atrelada aos interesses dos governantes de seu país. Os dois se reencontram diversas vezes com o passar dos anos, em localidades europeias diferentes. Mas embora sempre cedam à tentação e voltem a se amar, o romance jamais se torna duradouro, mesmo quando conseguem morar juntos novamente. O filme nos diz que as confusões sociais do pós-Guerra na Polônia afetaram tanto a cabeça da população que ela jamais consegue controlar a própria vida pessoal sem sentir as marcas das questões políticas. Os poloneses se tornaram pessoas fadadas à falta de perspectiva, ao desencantamento.

A opção por um filme estonteante em termos estéticos não combina muito com o inferno mental dos personagens. Mas os enquadramentos milimetricamente concebidos para serem belos são tão bem-sucedidos que, apesar de conferirem uma certa frieza ao longa, despertam no espectador o ímpeto por ignorar esse desacerto estético em nome do simples prazer da fruição das esplêndidas imagens.

A jovem atriz Joanna Kulig, dependendo do ângulo em que é filmada, pode lembrar tanto Jennifer Lawrence quanto Liv Ullmann ou até Gena Rowlands, e isso já é mais do que suficiente para dar uma ideia do quanto é magnética. E como é talentosa e também canta muito bem, é uma grande aposta, talvez até para ir a Hollywood.


“Cold War” é um filme com muito mais virtudes que defeitos, mas há uma questão incômoda que se sobrepõe: como todo cineasta engajado do leste europeu, Pawlikowski tende a pintar um quadro excessivamente negativo de seu país nos tempos de domínio comunista. É uma denúncia completamente justificável, até porque da maneira como esses países experimentaram o comunismo foi, no mínimo, traumatizante – para não dizer catastrófica. Mas a questão é que a visão que o filme tem do mundo capitalista, ainda que pretensamente também devesse ter uma intenção crítica, é bem mais branda, até idealizada, na comparação com a da Polônia de anos 40 e 50. O diretor, em sua busca por demonizar o regime comunista, muitas vezes parece estar fazendo uma involuntária ode ao capitalismo.

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