Cena do longa, que estreou no Festival de Veneza, em 2016 |
Foi entre aplausos
comedidos e bocejos que Veneza recebeu "Os Belos Dias de Aranjuez", filme do alemão Wim Wenders, exibido na disputa pelo Leão de Ouro. Adaptado de uma peça de Peter Handke (que
colaborou com o cineasta em "Asas do Desejo"), o longa foca
basicamente uma cena: um homem e uma mulher conversando em um jardim.
Wenders cria uma
espécie de Éden (há até uma maçã em cena) como cenário para o "bate
papo". Em geral, o homem faz perguntas – muitas delas sobre experiências
sexuais da mulher. Ela responde, mas sem detalhes eróticos; narra suas relações
de modo abstrato, em falas literárias que transitam entre o descritivo e o
filosófico. E o filme se prolonga sobre esse diálogo, sempre partindo de ideias
promissoras sobre a diferença entre os sexos, mas que pouco são desenvolvidas.
"Essa
diferença [entre sexos] já causou guerras, mas também a coisa mais bela do
mundo, que somos nós", disse Wenders, na coletiva de imprensa.
"Gostei do texto por que mostra como um sexo vê o outro. E, a cada dia, em
vez de respostas, temos mais perguntas sobre isso."
O longa é em 3D e,
a priori, é difícil pensar em um filme que necessitasse menos dessa tecnologia. "O 3D me faz levar o público para dentro da obra. Não poderia ter
conseguido isso de outra forma", explicou o cineasta.
Mas a
tridimensionalidade tem outros efeitos, como ampliar a beleza estival das
imagens e reforçar o caráter teatral do longa; embora a câmera fluida de
Wenders atue no sentido oposto, libertando o material do formato para o qual o
texto foi criado, o 3D resgata sua teatralidade – experiência semelhante à de
ver atores de carne e osso. O procedimento não resulta em muita coisa, mas esse estranhamento causado por esse "retorno" ao teatro talvez seja o que o filme tenha de mais interessante.
Primeiro filme em
francês de Wenders, o longa tem o que o cinema da França traz de melhor
–inteligência e ousadia –, mas também de pior: a afetação e a tendência ao
falatório; o filme é pura verborragia. Às vezes lembra "Le Camion",
de Marguerite Duras, e "O Ano Passado em Marienbad", de Alain
Resnais, mas quase sempre sem ir aonde prometem suas pretensões.
Wenders é um homem
inteligente e talentoso (e autor de ao menos uma obra-prima: "Paris, Texas"), mas talvez autoconfiante demais nessas suas duas qualidades,
a ponto de achar que um longa tão insatisfatório pudesse ser comprado como “grande
filme”. A crítica, que no passado costumava cair na lábia do diretor em projetos pretensiosos, mas inócuos, desta vez, felizmente, soube perceber isso:
a repercussão foi, no geral, negativa. É mais uma vez um Wenders inquieto e
cheio de "pontos de partida". Mas inquietude apenas e ideias não desenvolvidas
não fazem bom cinema.
*Texto adaptado do originalmente publicado na Folha de S.Paulo, detentora dos direitos de reprodução; o original foi publicado na cobertura feita para o jornal, em 02.set.2016, e está no link http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/09/1809314-filme-de-wim-wenders-e-recebido-entre-aplausos-e-bocejos-em-veneza.shtml
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