Vincent Lindon em cena do filme |
Vincent Lindon não deve
ter muito mais do que dez falas em "O Valor de um Homem", mas as expressões
faciais dele não passam de duas – no máximo três. Mas são sempre as expressões
mais acertadas: com seu bigode colossal (ainda maior que o que ostentava no
curioso "O Bigode", de Emmanuel Carrère), Lindon está ótimo neste drama social
de Stéphane Brizé. Não por acaso, o papel lhe garantiu um prêmio de melhor ator no
Festival de Cannes do ano passado.
Ele interpreta um cinquentão
que entra em desespero quando se vê desempregado – afinal, ele sustenta a
mulher e um filho excepcional. Com muito custo, consegue uma colocação como
segurança em um hipermercado, que ele agarra com unhas e dentes. Não é um trabalho "pesado" ou sequer realmente arriscado, mas é penoso: volta e meia, ele tem que
passar pelo constrangimento de revistar e interrogar pobres ladrões de galinha, que afanam itens sem
muito valor, mas que precisam “levar uma prensa”, para servir de desestímulo
para que outras pessoas façam o mesmo. Mas as situações piores são quando ele
precisa inquirir seus próprios colegas de trabalho, explorados e mal remunerados
como ele, que também fazem pequenos furtos de vez em quando para compensar o
baixo salário.
As intenções de
Brizé são boas: fazer um filme sobre as dificuldades cada vez mais crescentes
no âmbito do mercado de trabalho na Europa (e no mundo) atual. E sobre as
situações degradantes às quais o capitalismo moderno força homens "de valor" (como
diz o título piegas na versão brasileira) diariamente a passar em seus ambientes
de serviço. Mas Brizé recai no mesmo problema que nove entre dez jovens cineastas
europeus que se metem a falar de temáticas sociais em seus filmes: um dardennismo mal controlado. A câmera na
mão treme parkinsonianamente (a "inspiração" no cinema dos irmãos belgas
desemboca quase que em uma caricatura dos filmes da dupla), os personagens
monossilábicos são muitas vezes enfocados de modo a conquistar a empatia do
espectador de forma relativamente fácil (armadilha da qual o cinema dos
Dardenne costuma escapar), há o gosto especial por mostrar os personagens vistos de costas (quase nunca com uma razão substancial)...
E há uma tensão extrema: o espectador quase não tem alívio.
Brizé muitas vezes aplica
ao seu longa uma intenção documental que escapa ao simples estilo realista das
sequências de ficção; ele inclui longos minutos de trechos de câmeras de
segurança de hipermercados. Por alguns instantes, o filme parece que vai ganhar
uma personalidade mais autêntica, dedicando-se a um estudo algo
antropológico do comportamento das pessoas durante suas compras – e seria até mais
interessante se seguisse mesmo por esse caminho. Mas Brizé vai só parcialmente
por essa trilha; as cenas parecem ter sido incluídas mais como ilustrações que propriamente
com uma finalidade voyeurística ou de estudo dessas imagens.
Ou talvez elas
surjam como um artifício de jogar com os nervos dos espectadores, que são
muitas vezes levados a crer que vão presenciar alguma mão leve em ação, ou algo
de extraordinário sendo filmado pelas câmeras. Mas nada acontece. Brizé busca
algum efeito realista, mas capta o que a realidade às vezes tem de pior: o
tédio, puro e simples.
O voyeurismo de
Brizé se manifesta muito mais nas cenas que envolvem o protagonista; ele não
poupa seu personagem de situações constrangedoras e humilhantes. Não parece ter
exatamente “prazer” com o sofrimento do personagem, mas está claramente interessado
em explorar essa miséria humana. Muitos cineastas fazem a mesma coisa de
maneira bem menos ética, muitas vezes até ultrajante, então o procedimento de
Brizé não chega a ser de todo condenável. Tampouco, porém, é inofensivo como um
espectador mais desatento pode achar que seja. No fim das contas, o "O Valor de
um Homem" consegue ser efetivo e, em certa medida, cativante. Mas não precisaria
muito para se tornar um filme abjeto. Fica no meio do caminho entre o humanista e o exploratório.
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