Cena do tunisiano "Hedi" |
[atual. 31/05/2018: filme exibido na Berlinale 2016 com o nome original "Hedi"]
O segundo dia Berlim começou com um filme de um iniciante, o tunisiano Mohamed Ben Attia. “Hedi” tem como produtores os irmãos Dardenne, então talvez isso explique por que o filme tenha tantas cenas com a câmera tremida e grudadas no pescoço do personagem principal, Hedi, um jovem à beira de tomar decisões que vão mudar sua vida para sempre.
O tema do filme é o embate “tradição x mundo moderno”. O
protagonista é um rapaz de uma família burguesa tunisiana insatisfeito com a
própria vida. Ele vai em breve se casar com uma jovem bonita e bem nascida, mas
fútil e submissa demais para despertar seu interesse. Quando eles estão juntos, até existe algo entre eles, mas no máximo uma relação de ternura mútua; mas o clima do encontro é sempre de frieza.
Também em seu trabalho, Hedi parece ausente – ele é vendedor de seguros de carros, e talvez seja a pessoa menos indicada no mundo para a função: não é comunicativo, carismático e nem tem o menor poder de convencimento.
Também em seu trabalho, Hedi parece ausente – ele é vendedor de seguros de carros, e talvez seja a pessoa menos indicada no mundo para a função: não é comunicativo, carismático e nem tem o menor poder de convencimento.
Tudo muda quando ele vai trabalhar em um balneário, onde
conhece uma moça que faz bicos de babá e ganha a vida dançando em um grupo que
anima um resort cafona na região. Ela é carnal, voluptuosa, moderna. Hedi se
apaixona e decide fugir com ela para uma vida de incertezas, mas de prazer – e, provavelmente, amor.
Hedi é um jovem do mundo de hoje, parte da geração que fez a
chamada Revolução de Jasmim, a primeira das “primaveras árabes”. Tem o espírito
aberto para mudanças – sua geração não se contenta mais com o pensamento antiquado
da sociedade tunisiana conservadora em que nasceu. O filme é bem feito, mas o
diretor (em seu primeiro longa), embora faça um interessante longa sobre os
desdobramentos da revolução na Tunísia, não traz nada de novo ao tema da “revolução
pessoal”. É uma história às vezes tocante, intimista, mas a partir do momento
em que a intriga geral é apresentada, o público já sabe exatamente o quê e como
o que vem pela frente vai acontecer (a cena final, “aberta”, é um enorme
clichê). Mas pelo menos o filme se distingue ao trazer informações interessantes sobre a
sociedade na Tunísia da década de 2010, no pós-revolução, mostrando como a
juventude do país está cada vez mais ocidentalizada.
Seria isso ruim? Enquanto os valores ocidentais assimilados tiverem relação com questões humanistas, é algo positivo; é o tipo de contaminação cultural mais do que bem-vinda – e o longa nos mostra que isso tem ocorrido, sim, na Tunísia. Mas no que tange aos apelos do consumismo e da adoção de um estilo de vida acelerado e que visa a performance (que o filme também nos mostra, ainda que transversalmente), aí uma certa resistência é sempre importante. Saber dosar isso parece ser um dos grandes desafios dos países árabes mais progressistas, e nesse sentido, “Hedi” surge como importante documento dessa época.
Seria isso ruim? Enquanto os valores ocidentais assimilados tiverem relação com questões humanistas, é algo positivo; é o tipo de contaminação cultural mais do que bem-vinda – e o longa nos mostra que isso tem ocorrido, sim, na Tunísia. Mas no que tange aos apelos do consumismo e da adoção de um estilo de vida acelerado e que visa a performance (que o filme também nos mostra, ainda que transversalmente), aí uma certa resistência é sempre importante. Saber dosar isso parece ser um dos grandes desafios dos países árabes mais progressistas, e nesse sentido, “Hedi” surge como importante documento dessa época.
Shannon e o garoto Leibeher em "Midnight Special" |
MIDNIGHT SPECIAL
Por outro lado, quase nada foi minimamente aproveitável da sessão de “Midnight Special”, a não ser a comprovação de algo que eu já suspeitava: Jeff Nichols não é nem de perto o gênio que a “Cahiers de Cinéma” quer vender para o resto do mundo. Muito pelo contrário – o filme é ruim em um nível quase absurdo. O curador da Berlinale, Dieter Kosslick, costumeiramente reserva uns dois ou três filmes péssimos para a seção competitiva – talvez em nome da diversidade, da pluralidade (vai saber). “Midnight Special” certamente entrou na briga pelo Urso de Ouro dentro dessa “cota”.
Por outro lado, quase nada foi minimamente aproveitável da sessão de “Midnight Special”, a não ser a comprovação de algo que eu já suspeitava: Jeff Nichols não é nem de perto o gênio que a “Cahiers de Cinéma” quer vender para o resto do mundo. Muito pelo contrário – o filme é ruim em um nível quase absurdo. O curador da Berlinale, Dieter Kosslick, costumeiramente reserva uns dois ou três filmes péssimos para a seção competitiva – talvez em nome da diversidade, da pluralidade (vai saber). “Midnight Special” certamente entrou na briga pelo Urso de Ouro dentro dessa “cota”.
O filme é sobre uma criança com poderes especiais (que solta
raios luminosos pelos olhos), que precisa ser escoltada por seu pai na fuga de
perseguições de extremistas religiosos e do FBI. Michael Shannon é o
protagonista, e se além de revelar as deficiências de Nichols enquanto cineasta
o filme nos dá outra lição, é a de que Shannon definitivamente não segura um
filme em um papel principal de “mocinho”. Ele não tem carisma, presença – tem,
sim, alguma técnica, mas isso é insuficiente; ele nunca envolve o espectador. E
aqui ele divide a maior parte das cenas com Joel Edgerton, que é um ator capaz
de boas performances (como no interessante “The Gift”, que ele próprio dirigiu),
mas sem a devida orientação tem uma enorme propensão ao overacting – que é
exatamente o que ele faz aqui. O personagem dele é uma incógnita – é um amigo
de infância de Shannon que o ajuda na fuga com o garoto “iluminado”. Mas qual o
significado dele enquanto personagem? Ele não faz o menor sentido na trama e
não tem o menor desenvolvimento dramatúrgico.
O elenco traz ainda Sam Shepard, excelente na pele de um
pastor fervoroso, e Adam Driver, divertido como um pesquisador que faz
perguntas impertinentes. E há Kirsten Dunst, sem maquiagem e chorosa, na pele
da mãe do garoto – ela não acrescenta muita coisa à personagem, uma espécie de “Maria”
moderna, mãe de um messias esdruxulamente robótico, vivido pelo pequeno Jaeden
Leibeher (as falas dele quando “possuído” são tão ridículas e ditas de forma
tão solene que a plateia gargalhava cada vez que o menino entrava em transe).
A certa altura, tal criança revela ser alguém de um outro
mundo que está na Terra com alguma missão messiânica. O filme certamente é uma alegoria
de alguma coisa – talvez sobre a necessidade de, no mundo atual, perdido e
condenado à autodestruição, as pessoas terem alguma fé –, mas qualquer tema de
fundo se perde diante da ficção científica de segunda linha que Nichols
apresenta. O filme é um sub-Spielberg, que traz o que os piores filmes do americano
têm de ruim, só que com o ritmo presunçosamente arrastado dos longas de Nichols.
Houve quem disse que gostou (uma minoria), mas eu duvido que se o filme trouxesse a
assinatura de um outro diretor tais reações seriam assim positivas.
James Hyndman em "Boris sans Béatrice" |
A outra sessão competitiva do dia foi a do canadense “Boris
sans Béatrice”, de Denis Côté. O filme mostra um homem que, enquanto aguarda
que sua mulher supere uma grave crise de angústia e depressão, praticamente em estado vegetativo, tenta viver sua vida, abusando dos romances com belas
mulheres. Não posso comentar muito porque precisei deixar a sessão antes do
fim, mas até onde eu assisti, não parecia exatamente muito promissor; o ator
principal, James Hyndman, é eficiente, mas não gera muita empatia, e o diretor
parece muitas vezes preocupado demais com os toques visuais "espertos" do filme que com o seu sentido.
Quem viu até o fim disse que a coisa não melhora muito; foi recebido com frieza
pelos jornalistas que assistiram até o final.
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