terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Crítica consagra "Adeus à Linguagem"

O cão Roxy, a melhor coisa de "Adeus à Linguagem"

A Associação Brasileira dos Críticos de Cinema (Abraccine) elegeu "Adeus à Linguagem", do veterano Jean-Luc Godard, o melhor filme estrangeiro de 2015. "Que Horas Ela Volta?", de Anna Muylaert, foi escolhido o melhor longa nacional. Curioso notar que, há algumas semanas, outra associação de críticos - a do Rio de Janeiro - havia elegido "Mad Max: Estrada da Fúria" o melhor estrangeiro do ano. A rigor, isso poderia dizer muito sobre as duas entidades - não fosse o fato de que, em ambas, as escolhas passaram longe da unanimidade.

Sou membro da Abraccine e participei da eleição. Mas fui voto vencido (meu melhor estrangeiro, como já disse por aqui neste link, foi o "O Clube", de Pablo Larraín; o voto para o nacional foi para "Sangue Azul", de Lírio Ferreira, um dos filmes mais injustamente menosprezados do ano). Mas respeito a decisão da maioria dos votantes, sem problema algum.

O filme de Godard estreou mundialmente no ano passado, no Festival de Cannes. Eu estava na primeira sessão para a imprensa e pude observar como os críticos deixaram a sala: a maior parte não sabia muito bem o que dizer. Em parte porque é mesmo um filme difícil de comentar; em parte pela emoção de terem acabado de participar de um evento histórico: a avant-première do novo filme do maior cineasta vivo. Ao meu lado, na saída, estava o francês Serge Kaganski, da revista "Les Inrocks" (um dos críticos mais interessantes de se ler, diga-se de passagem). Ele parecia algo atordoado, tentava andar rápido - infelizmente para ele, porém, uma repórter de TV, dessas que esperam o fim das sessões para para saber em primeira mão a opinião da crítica, o elegeu para fazer a impertinente pergunta: "O que achou do filme?". Kaganski mal conseguiu formular uma frase - titubeou, foi monossilábico, disse alguma bobagem no estilo: "É um Godard, ora bolas!" (mal sabia ele que, ali, estava fazendo a melhor síntese possível sobre o longa).

Dias depois, Kaganski parecia bem mais animado em sua crítica sobre o filme. Mas mesmo em seu texto, com suas impressões já mais esquematizadas, suas ideias eram vagas. O que, aliás, tem sido uma característica generalizada da crítica ao tentar problematizar e/ou comentar o filme (e todo o cinema mais recente do diretor, aliás). Eu já li bastante sobre "Adeus à Linguagem", mas até o momento ninguém conseguiu me persuadir de que o filme é tão interessante ou maravilhoso como eles juram que consideram ser. Não duvido de forma alguma que esses meus colegas adoram verdadeiramente o longa e veem nele predicados suficientes a ponto de escolhê-lo o melhor do ano. Mas os argumentos (principalmente os ligados ao uso do 3D) me parecem frágeis, às vezes forçados - e sobretudo pouco convincentes. Pesquisas sobre a imagem Godard já faz há décadas, não há nada de específico em "Adeus" que o torne revolucionário ou melhor que as que ele já fez antes. O filme certamente tem algum encanto oculto que os admiradores ainda não conseguiram detectar com muita clareza.

Minha visão pessoal? Sou quase indiferente ao filme. Logo depois de sair da sessão em Cannes, eu escrevi (rapidamente) minhas impressões, para o site "Brasil Post". Reproduzo abaixo o que escrevi - e que permanece minha visão sobre o filme.

« Godard, que vive recluso em sua casa, na Suíça, não apareceu para a promoção de Adieu au Langage, seu primeiro longa em 3D. No lugar, mandou uma estranhíssima carta-filme (afinal, é Godard...) de agradecimento ao festival pelo convite.

"Adieu" tem pouco mais de uma hora de duração. O "filme", digamos assim, é uma espécie de colagem de cenas distintas e aparentemente aleatórias. O material de imprensa traz uma descrição do que seria algo próximo de uma "trama", mas é perda de tempo reproduzi-lo aqui; simplesmente não tem relação com o que está no filme. O que se pode dizer que mais se aproxima de uma “história” é que um homem e uma mulher aparecem juntos em diversas cenas conversando sobre assuntos filosóficos variados. Ao mesmo tempo, imagens bastante diversas, que mostram desde trechos de filmes antigos a cenas de florestas (com cores digitalmente alteradas) aparecem com certa recorrência na tela. Um simpático cachorro também é um "personagem" que volta e meia é alvo da câmera; ele é a grande "estrela" do filme e tem o primeiro nome a aparecer dos créditos: Roxy Miéville (certamente é o cão de Godard e sua mulher, a também cineasta Anne-Marie Miéville).

O título do filme dá uma pista sobre do que esse arsenal imagético se trata: talvez da falência da linguagem no mundo atual, em que ninguém consegue se entender direito. Mas mesmo essa ideia é um tanto imprecisa, como é impreciso o filme de Godard, que não é narrativo; despeja sobre o público uma profusão de frases que parecem desconexas. Grande parte delas são inteligentes e até engraçadas – algumas verdadeiramente promissoras. "Em breve, todos precisaremos de intérpretes para as palavras que saem da nossa própria boca", diz um dos personagens. Frases como essa poderiam render, se não um filme inteiro, ao menos uma excelente cena inteira. Mas Godard talvez esteja cansado demais (está com 83 anos) para desenvolver com alguma profundidade as ideias que espalha pelo seu filme; nada vai além do campo da citação – o filme é altamente frustrante.

Às vezes, achamos que o Godard dos tempos áureos está de volta. Em uma cena, um personagem vai ao vaso sanitário e diz: "Sabe O Pensador, de Rodin? Eis a imagem acabada da igualdade entre os homens". Nada mais Godard dos anos 60... Mas naquela época, o diretor tinha ideias brilhantes e as explorava em obras com princípio, meio e fim. Por isso se tornou o grande nome do cinema francês daquela década, revolucionando toda uma arte. Mas após "Le Gai Savoir" (1968), o diretor foi perdendo cada vez mais interesse pelo cinema narrativo, voltando-se principalmente para a questão da imagem. E, posteriormente, da linguagem cinematográfica. Seus filmes foram ficando cada vez mais abstratos, experimentais a tal ponto que, ironia das ironias, talvez tenham até deixado de ser "cinema". Estão mais próximos da videoarte, e teria sido mais apropriado que fosse escolhido para estrear em uma bienal de artes que para concorrer a prêmios no Festival de Cannes.»

  

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