domingo, 6 de dezembro de 2015

Crítica: "À Beira Mar"

(By the Sea, 2015), de Angelina Jolie Pitt


Brad Pitt e Angelina Jolie Pitt

A energia de Angelina Jolie é algo admirável. Entre filmes (ruins) como atriz, a luta por causas humanitárias e viagens ao Terceiro Mundo atrás de um novo filho adotivo, ela ainda arranja tempo para ser cineasta. E não faz qualquer tipo de filme, não: entrega-se a projetos ambiciosos, esteticamente arrojados, bem-cuidados.

Como atriz, porém, ela parece cada vez mais cansada, à beira do esgotamento - não foi à toa que andou dizendo que em breve vai abandonar o ofício. Mas essa exaustão vem a calhar em sua nova personagem, em “À Beira Mar”, o terceiro longa dirigido por ela (que, agora, assina Angelina Jolie Pitt). Ela vive uma mulher angustiada, contida, que passa grande parte do tempo deitada em uma cama ou uma chaise longue, olhando para o nada.

A trama marca o reencontro nas telas entre ela e o marido Brad, o senhor e a senhora Smith que, há dez anos, se encontraram em um set e jamais se separaram. A dupla se apaixonou e virou o casal mais invejado e poderoso de Hollywood, posto que jamais foi ameaçado desde então.

Mas “Sr. e Sra. Smith” era uma comédia de ação, e “À Beira Mar” é quase inanimado e não tem o menor humor. Mostra um casal em crise, que viaja a uma cidade litorânea para reavivar o relacionamento. Brad é um escritor beberrão com bloqueio criativo, e Angelina é sua mulher depressiva, que abusa dos remédios para dormir para esquecer um trauma do passado. No hotel, a dupla só começa a se entender quando passa a observar por um buraco na parede o comportamento de um jovem casal no quarto ao lado (Mélanie Laurent e Melvil Poupaud), com o qual vai se envolver em estranhos jogos sexuais.

A época parece ser fim dos anos 60, talvez começo dos 70. O local, tudo indica, é algum balneário da França mediterrânea, embora as filmagens tenham sido feitas na ilha de Malta. Visualmente, o filme é acachapante – e seria difícil que não fosse, já que as locações são paradisíacas, e quando a câmera não se debruça sobre elas, foca em Angelina ou em Brad, que talvez hoje estejam ainda mais belos que há uma década. Mas a beleza do filme não vem tanto assim dos objetos filmados: é obra da direção de fotografia de Christian Berger, em iluminação suave e em tons claros, com predominância do branco e variações de bege – menos o mar, desavergonhadamente azul, entre o turquesa e o petróleo. São imagens lindas, por certo, mas de uma impessoalidade desconcertante – têm uma beleza fria, pasteurizada e pouco natural. Os atores estão sempre fazendo poses e/ou com a cara amarrada – com as falas abafadas, o filme poderia passar por um vídeo publicitário conceitual sobre o tédio, produzido por alguma grife fashion.

Não é um filme sem alma, no entanto. Mas é um longa de espírito confuso, que não se decide entre o “ennui” burguês ao estilo de Antonioni, a perversidade aos moldes de “Quem Tem Medo de Virginia Woolf?” ou a paixão intensa à la Wong Kar Wai. Jolie é uma cineasta de talento – fica claro que ela tem cultura cinematográfica e instinto visual. O problema é que as intenções dela não caminham no mesmo rumo que seu estilo: talvez fossem sérias demais para onde sua afetação enquanto cineasta a conduz. Ela dirige tudo com um bom gosto tão acentuado e com tanta classe que, chega um ponto, isso começa a agir contra o filme. A agonia estetizada começa a ficar pesada e equivocadamente pedante - e um tanto cafona. O filme não chega a ser camp, mas seria melhor se fosse; assim, ao menos, seria divertido.

Não é; é tedioso. Jolie passa o filme quase todo enfurnada em seu quarto de hotel, narcotizada por remédios, mas sempre com o rosto impecavelmente desinchado e as roupas de seda sem um mínimo vinco. A intenção era transmitir a ideia de que a depressão pode atingir mesmo a mais deslumbrante das mulheres, mas por muito pouco o filme não incorre no extremo oposto: o da glamourização do sofrimento. Só escapa a essa armadilha porque a fragilidade de Jolie chama mais a atenção que seu glamour. Ela sequer atua; tem basicamente o mesmo semblante, e nas cenas em que precisa se alterar, enlouquecer, não tem vigor o suficiente para isso. Até combina com a personagem, mas essa apatia é claramente algo involuntário, fruto de uma incapacidade; Jolie de fato precisa de descanso. Pitt, por outro lado, está excelente - com os anos, seu rosto ganhou nuances que antes ele não tinha. Ele consegue hoje uma intensidade que o Russell Crowe de 15 anos atrás conseguia, e isso é tudo o que um ator poderia desejar. Mas o personagem dele tem limitações, não escapa muito do clichê do escritor frustrado e alcoólatra.

O filme inteiro, aliás, embora tenha elementos de complexidade, nunca os explora como deveria; termina frustrantemente banal. A ideia de se ter a dupla mais bela do planeta sem interesse mútuo, mais empenhada em observar o casal do quarto ao lado, é o que o filme tem de mais instigante. Mas parece daquelas ideias melhores no papel do que na tela - Jolie não consegue extrair dessa situação o humor e o mistério que ela potencialmente possui; tudo funciona com resultados apenas moderados (por vários momentos, o público se pega pensando que seria melhor que o casal protagonista fosse o vizinho). O filme se arrasta por muitos minutos a mais do que deveria, mas não chega a ser um suplício de assistir, muito possivelmente pelo charme dos quatro atores. Como diretora, Jolie não é um caso perdido, de modo algum. Mas precisa alinhavar um pouco melhor o modo como fará transição de seus roteiros para a tela. E, de preferência, poupando-se de aparecer nela.


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