Ana Paula Arósio, a Lady Macbeth do filme |
Quase tudo errado. O diretor Vinícius Coimbra teve claramente
as melhores intenções ao trazer “Macbeth”, de Shakespeare, para o mundo de
hoje. A ideia, segundo ele, era evitar os dois extremos do cinema brasileiro
recente: de um lado, as comédias de interesse 100% comercial; de outro, o
cinema de autor que não faz a menor questão de agradar ao público.
Ele tem razão – o cinema brasileiro há anos tenta e não consegue
fazer filmes no meio do caminho entre essas duas vertentes (algo que os
americanos dominam há décadas). Mas em “A Floresta que se Move”, infelizmente,
Coimbra não atinge sua meta. Pior ainda: o filme também não possui nem o perfil
de um campeão de bilheteria e, menos ainda, o de agradar aos espectadores do
“cinema de arte”. É um corpo estranho e perdido entre rotulações.
Ele bem que tenta entregar um produto elaborado, algo
artesanal – de fato, o filme tem alguns detalhes interessantes. Os visuais,
sobretudo. O filme tem cenários impessoais, algo lúgubres – são casas imensas
onde moram somente duas pessoas, ou escritórios com enormes espaços vazios e
janelas que remetem a crucifixos. Pelas conversas, o público é levado a crer
que a história se passa no Brasil, mas as cenas externas indicam uma paisagem
pouco tropical – talvez sejam uma remissão à paisagem cinzenta do norte da Grã-Bretanha,
onde “Macbeth” se passa.
O filme é repleto de uma forte iconografia que remete à
ideia de “horror”, mas poucas vezes os elementos realmente têm a força que se
esperaria deles. Em geral, não se misturam muito bem ao “todo” do filme. Em uma
cena tensa de jantar, um cordeiro mal passado é servido e, pela edição, deveria
sugerir morte, sangue ou algo do gênero; no entanto, da maneira como é mostrada,
a peça de carne é apenas um pedaço de cordeiro pálido e pouco apetitoso. Não há
organicidade alguma nesses ícones e em quase nada do filme – o que se percebe,
também, na concatenação pouco refletida entre algumas sequências, que são editadas
de maneira abrupta demais.
Embora a peça de Shakespeare sirva antes de mais nada como
inspiração para um longa mais autônomo, Coimbra se deixa escravizar por ela em
alguns aspectos. Os personagens falam em tom impostado, em norma culta, como se
estivessem em um palco elisabetano – quando, na verdade, estão em ambientes
clean e ultramodernos; talvez o diretor procurasse algum efeito meio barroco
com esse procedimento, mas ele consegue apenas fazer as cenas soarem ridículas.
Quando o filme abandona Shakespeare e tenta ganhar vida própria, o resultado é
um pouco melhor, mas aí perde a força da reflexão sobre o poder proposta pelo dramaturgo
britânico e se torna um thriller corriqueiro, um pouco mais irregular que de
hábito; também não funciona.
Na juventude, Ana Paula Arósio se esforçava como atriz, mas sua
beleza sobre-humana eclipsava qualquer tentativa de mostrar talento (é o tipo
de fardo que só as pessoas belas ao extremo trazem consigo). Agora, aos 40, ela
talvez esteja ainda mais bonita, só que sua beleza amadurecida surge mais
discreta, suave, permitindo que seus dotes dramáticos sejam mais perceptíveis. Mas
a Lady Macbeth dela é estridente demais e ainda mais teatral que o resto do
elenco.
Gabriel Braga Nunes, como o Macbeth moderno, tem a melhor
atuação do filme; na TV ele raramente acerta o tom como aqui, e se o papel nunca
funciona muito bem, a culpa não me parece ser dele. Como o banqueiro poderoso
prestes a ser assassinado, Nelson Xavier apresenta uma fragilidade quase
aflitiva – sua figura física faz um grande contraponto com o real poder de seu
personagem; eu permaneço na dúvida se esse registro tem mais a enriquecer ou
comprometer a força do personagem. Emiliano Queiroz tem uma pequena e divertida
participação como um faxineiro, já Juliana Carneiro da Cunha merecia uma
bordadeira/feiticeira mais aprimorada. O resto do elenco está até bem, levando
em conta o material problemático que lhes cabe.
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